No bicentenário do poeta francês, a 7Letras lança edição bilíngue do clássico “As flores do mal”, com tradução de Margarida Patriota
Confira a matéria na íntegra no jornal rascunho:
Adquira o livro “As flores do Mal”:
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Adquira o livro “As flores do Mal”:
Leio ‘Cárcere Privado’ romance de Margarida Patriota sobre as peripécias de uma moradora dum bairro grã-fino de Brasília, que traz em reclusão domiciliar sua ‘outra parte’, seu duplo. Ao ambientar ali sua narrativa, Margarida Patriota descortina ao leitor delicioso painel sobre o que rola, por assim dizer, em segmentos privilegiados da capital do país. Mas sendo isto verdadeiro, de modo algum é exaustivo.
‘Cárcere Privado’ vai além e oferece muito mais. Ao contrário do que se passa no Horla, famoso conto de Guy de Maupassant, cujo protagonista sucumbe à tirania de seu duplo; aqui a narradora-carcereira, ou carcereira-narradora, aprisiona, por via das dúvidas, sua ‘outra parte’, a quem trata por Mara Dália. A certa altura diz a narradora: “Antes de me refestelar no pufe, amarro uma ponta de barbante em torno dos seus tornozelos, e a outra, ao redor do meu pulso. Se acontecer de eu cochilar, e suas pernas se mexerem, sentirei o repuxo da coleira”.
Resultado, o relacionamento entre a protagonista e Mara Dália é divertidíssimo. Há passagens hilárias, como a visita à ala de doentes terminais dum hospital para animar uma octogenária desenganada. Aliás, o humor é a prova dos nove da inteligência. Escritor menos talentoso, ao tratar jocosamente, digamos assim, da difícil temática do duplo, seguramente colocaria tudo a perder. Mas Margarida Patriota é escritora de mão cheia. Conduz a narrativa sob o signo de um humor fino, inteligente, cáustico…na justa medida, a meu ver.
Sucede, no entanto, que o homem é um animal social como disse Aristóteles (penso que isto foi dito mais como desabafo do que propriamente como enunciado de natureza política). Pois bem, às vezes o feitiço vira contra o feiticeiro, e a narradora-carcereira cai vítima do outro ou… dos outros. No prédio em que vive, seu vizinho do andar de cima é um agente da ABIN (um araponga, como se dizia antigamente) que pela natureza do métier pode desbaratar os planos da carcereira. Para piorar, o vizinho de baixo é um diplomata…Bem, o psicanalista William Reich dizia que a chatice da conversação social lhe dava coceiras. Se isto tem aplicação universal, o Itamaraty deve ser uma espécie de Urtiga-mãe…
Em suma, ótimo “Cárcere Privado”. Uma última palavra: Antes de exterminar a coitadinha à míngua de alimento, oxigênio e comiseração humana, “solta a Mara Dália”, Margarida, “solta a Mara Dália”. Vocês duas formam uma dupla do barulho!
Na íntegra, confira a publicação na revista gueto:
tempo de delação
Vi o sopro embaciar o vidro
Para o dedo traçar no bafo
O coração do amor proibido
Vi a ponta do punhal
Escorchar o tronco adusto
Riscar o manacá que eu amava
O sol inflamou o céu
Não prestou qualquer socorro
Nem se importou com isso
Dentes rasgaram carnes
Desmembraram gomos
Deceparam cachos, que eu vi
Flagrei a noite atropelando o dia
Pelotões de nuvens ladras
A assaltarem o luar
Vi a neve deflorar a campina
A hera assediar o muro
O mar abusar do penhasco
Vi sem asco o que delato
Antes que prescreva em juízo
O ardor dos fatos
luto
Em horas pluviosas
Langorosas, baudelairianas
Recolho-me dócil
Ao boudoir do meu spleen
Beijo a esfinge no console
Bocejo solilóquios no divã
No leque de pavão afago plumas
Aspiro com volúpia buquês murchos
Ao tilintar da sineta
Chávenas de porcelana flutuam
São os meus mortos
A tomar chá comigo
convite
Viesses a mim
Pisarias na juta
Que atapeta o meu solar
Verias as flores
Que bosquejo a bico de pena
Os meus mares de aquarelas
Ouvirias meu relógio de parede
Bater horas como um gongo
A chaleira apitar qual trem fugindo
Verias minhas conchas, caramujos
Conjuntos de azulejos, souvenires de coletas
Escavações, prospecções, enfim…
Para bem do acervo
Bom seria que viesses
Num dia chuvoso
penhora
Quando vierem me arrestar os bens
Indicarei os valiosos
Na prateleira da aventura
O escafandro
Com que imergi nas funduras
E recolhi a dor das ostras
Na do método e disciplina
O vaso para bonsai
Em que forcei um junípero
A se entanguir
Na dos frissons
A lupa por meio da qual
Acendi fogos sem artifícios
Com um filete de sol
telepatia
Através das membranas retráteis
Que nos domam as transparências
Trocamos mensagens cristalinas
Confiantes na recompensa
Do mútuo contato visual
Elucidamo-nos sem sermões
No alargar e contrair das pupilas
Fios condutores nos unem
Dialogamos por osmose
E quando afirmas que sou
Tua “menina dos olhos”
Formamos um globo ocular
| poemas do livro Tempo de delação (Editora Ibis Libris, 2019). |
A escritora Margarida Patriota é a convidada do programa “Iluminuras”, da TV Justiça. Junto com a escritora participa também o Ministro Ayres Britto. O programa será exibido na sexta-feira, 16/03, às 20h30. Reprises serão exibidas nos seguintes dias e horários: sábado (17/03) às 20h30, domingo (18/03) às 20h30, segunda-feira (19/03) às 18h00, terça-feira (20/03) às 22h00 e quarta-feira (21/03) às 13h30.
Após a exibição pelo canal da TV Justiça, o conteúdo vai estar disponível nesse link: http://www.tvjustica.jus.br/index/ver-detalhe-programa/idPrograma/212899
A mais recente edição da Revista Brasileira da Academia Brasileira de Letras, de número 93, traz cinco poemas da escritora Margarida Patriota. Para saber mais sobre a Revista Brasileira, clique aqui